Você já imaginou que debaixo das ondas, escondido entre as correntezas do Atlântico, possa existir uma arma silenciosa e poderosa contra o aquecimento global? Não estamos falando de tecnologia futurista, nem de acordos internacionais. Estamos falando de algo vivo, antigo, simples e extremamente eficiente: florestas submersas feitas de algas gigantes, conhecidas como kelp. Na costa norte de Portugal, cientistas acabam de descobrir que essas florestas marinhas não são apenas refúgio para peixes e crustáceos — elas estão segurando toneladas de carbono, como se fossem pulmões verdes no fundo do mar. E o mais impressionante: esse ecossistema, quase invisível aos olhos da maioria, pode representar até 14% de todo o carbono azul (blue carbon) já registrado no país. O que exatamente está acontecendo ali? Por que um habitat que cobre uma área equivalente a pouco mais de 5 mil campos de futebol tem tanta força climática? E por que, mesmo com resultados tão promissores, essas florestas ainda são ignoradas nas políticas ambientais globais?
A resposta começa em águas frias, rochosas e agitadas, onde duas espécies de alga marrom dominam o cenário: Laminaria hyperborea e Saccorhiza polyschides. Essas plantas marinhas — que nada têm a ver com as microscópicas algas verdes que vemos flutuar na superfície — crescem verticalmente, formando verdadeiras florestas subaquáticas. Algumas chegam a atingir mais de três metros de altura, criando estruturas densas que abrigam centenas de organismos. São ambientes dinâmicos, cheios de movimento, onde ouriços, estrelas-do-mar, caranguejos e juvenis de peixes comerciais encontram proteção e alimento. Mas, além dessa riqueza biológica, os pesquisadores do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental) e do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) descobriram algo ainda mais valioso: a capacidade dessas algas de capturar e armazenar dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera em níveis comparáveis aos de manguezais e pradarias submarinas — habitats tradicionalmente celebrados no combate às mudanças climáticas. Em um mundo onde cada grama de carbono conta, esse achado é mais do que relevante: é urgente.
O estudo, publicado na revista científica Scientific Reports, foi pioneiro ao quantificar pela primeira vez o estoque de carbono nessas florestas na costa portuguesa. Os números são claros: cerca de 16,48 gigagramas (Gg) de carbono armazenados em uma extensão de 5.100 hectares. Para quem não está familiarizado, um gigagrama equivale a mil toneladas métricas (traduzindo para o português Brasil: mil toneladas). Ou seja, estamos falando de mais de 16 mil toneladas de carbono presas dentro de algas, sedimentos e organismos associados. Esse valor representa uma fatia expressiva do chamado “carbono azul” — termo usado para descrever o carbono capturado pelos ecossistemas costeiros e oceânicos. Até então, os inventários nacionais de carbono azul em Portugal se limitavam a pântanos salgados e bancos de ervas marinhas. Nunca antes as florestas de kelp tinham sido incluídas nessa conta. Agora, com dados concretos, surge uma pergunta incômoda: quantos outros países estão subestimando seus próprios ecossistemas marinhos por falta de pesquisa?
O que torna essas algas tão eficientes não é apenas a quantidade, mas a qualidade do serviço ecológico que prestam. Kelps são organismos altamente produtivos. Eles crescem rápido, absorvem grandes quantidades de CO₂ durante a fotossíntese (processo pelo qual plantas convertem luz solar em energia, liberando oxigênio), e parte da matéria orgânica que produzem é exportada para o fundo do oceano, onde pode permanecer enterrada por séculos ou até milênios. Isso significa que o carbono não volta à atmosfera — ele fica permanentemente fora de circulação. Segundo os cálculos dos pesquisadores, essas florestas são responsáveis por cerca de um terço do carbono sequestrado anualmente por todos os habitats vegetais marinhos do país. Um terço. Em uma região geograficamente pequena, isso é extraordinário. E mostra que tamanho nem sempre importa quando o assunto é impacto climático.
Mas há um lado sombrio nessa história. Essas florestas, apesar de sua importância, estão sob ameaça. O fenômeno chamado de “tropicalização” — traduzindo para o português Brasil: o processo pelo qual águas mais quentes avançam sobre regiões historicamente mais frias — já foi detectado nas costas de Portugal. Com o aumento da temperatura média dos oceanos, espécies tropicais estão migrando para o norte, enquanto organismos adaptados ao frio, como o kelp, começam a recuar. Francisco Arenas, líder da pesquisa, alerta que essas florestas estão no limite sul da distribuição natural de suas espécies principais. Se as águas continuarem esquentando, esse limite pode ser ultrapassado, e as algas podem simplesmente desaparecer da região. Sem intervenção, sem proteção, sem políticas públicas, tudo o que foi descoberto — o carbono armazenado, a biodiversidade, o potencial de restauração ecológica — pode se perder em poucas décadas.
E aqui mora a contradição: justamente quando mais precisamos desses ecossistemas, eles estão sendo ignorados. Enquanto governos investem bilhões em soluções artificiais de captura de carbono — máquinas que sugam CO₂ do ar, projetos industriais complexos e caros —, a natureza já oferece uma alternativa gratuita, eficiente e autossustentável. Florestas de kelp não precisam de manutenção, não consomem energia elétrica, não geram resíduos tóxicos. Elas simplesmente existem, fazem seu trabalho silencioso e entregam resultados mensuráveis. Mesmo assim, não aparecem nos relatórios oficiais de emissões, não entram nos programas de compensação de carbono, não são mencionadas nas negociações climáticas da ONU. Por quê? Talvez porque sejam invisíveis. Talvez porque o oceano ainda seja visto como um espaço distante, abstrato, difícil de monitorar. Ou talvez porque proteger o mar exija cooperação internacional, fiscalização rigorosa e planejamento de longo prazo — coisas que muitos governos ainda evitam.
Ainda assim, há esperança. A Lei de Restauração da Natureza da União Europeia, atualmente em fase inicial de implementação, abre uma janela de oportunidade. Essa legislação exige que os países membros restaurem ecossistemas degradados até 2030, incluindo áreas marinhas. Se os dados do norte de Portugal forem levados a sério, as florestas de kelp podem se tornar prioridade nacional. Técnicas de restauração já estão sendo testadas em outros países, como Noruega e Reino Unido, onde cientistas replantam mudas de kelp em substratos artificiais, recriando habitats perdidos. No caso português, o caminho seria semelhante: mapear áreas degradadas, identificar locais viáveis para replantio, monitorar o crescimento e integrar esses esforços a políticas de conservação marinha. O custo seria baixo comparado aos benefícios. Além do sequestro de carbono, haveria ganhos em pesca sustentável, turismo ecológico e resiliência costeira.
É importante lembrar que kelp não é uma solução mágica. Ele não vai substituir a necessidade de reduzir drásticamente as emissões de gases de efeito estufa. Nenhum ecossistema natural pode fazer isso sozinho. Mas ele pode ser um aliado estratégico. Imagine se, em vez de apenas cortar emissões, também fortalecêssemos os sumidouros naturais de carbono — os lugares que já absorvem o que sobra. Seria como frear o carro ao mesmo tempo que aumentamos o tamanho do freio. E é exatamente isso que essas florestas submarinas fazem. Elas não impedem que poluamos, mas ajudam a limpar a bagunça depois. E quanto mais florestas como essa forem protegidas e expandidas, maior será nossa margem de manobra no enfrentamento da crise climática.
Outro ponto crucial é a questão da biodiversidade. Proteger o kelp não é apenas sobre carbono. É sobre manter um ecossistema inteiro funcionando. Quando você destrói uma floresta de algas, não está apenas perdendo uma planta — está colapsando uma cadeia alimentar inteira. Peixes que dependem delas para se reproduzir desaparecem. Moluscos que se fixam nos talos somem. Até mesmo aves marinhas, que se alimentam dos peixes que vivem ali, sentem o impacto. É um efeito dominó silencioso, que começa no fundo do mar e termina muito longe da costa. Por isso, qualquer política de conservação precisa enxergar além do número de toneladas de carbono. Precisa ver vida. Precisa ver interconexão. E precisa agir antes que seja tarde.
Ainda há muito o que aprender. Os cientistas admitem que o estudo é apenas o começo. Falta entender melhor como o carbono é transportado para o fundo do oceano, quanto tempo ele permanece lá, e como diferentes condições ambientais afetam a produtividade das algas. Também é necessário expandir a pesquisa para outras regiões do litoral português, e comparar os resultados com áreas similares no resto da Europa. Mas o que já foi descoberto é suficiente para exigir atenção imediata. Essas florestas não podem esperar mais décadas de inércia burocrática. Cada ano de atraso aumenta o risco de perda irreversível.
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Será que estamos subestimando o poder do oceano?
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